Durante muitos anos o Instituto se focou no trabalho direto com crianças e adolescentes que possuem relações familiares e comunitárias fragilizadas ou rompidas. Essa atuação nos possibilitou um acúmulo de conhecimento e experiência em relação à política de acolhimento no Brasil.
Consideramos essencial trabalhar diretamente com os meninos e meninas. Investimos na formação dos profissionais do sistema de garantia de direitos e possuímos inúmeras estratégias de formação, supervisão e qualificação das equipes dos serviços de acolhimento. Tudo isso tem um enorme valor, mas não é suficiente.
Em nosso trabalho enfrentamos diversos desafios que parecem intransponíveis e em relação aos quais éramos bastante impotentes: pouco investimento na ampliação do serviço de famílias acolhedoras; insuficiência ou fragilidade de políticas públicas para os jovens que completam 18 anos dentro de um serviço de acolhimento; pouco incentivo para a qualificação continuada dos profissionais do sistema de garantia de direitos; ameaças legislativas ao ECA; retrocessos nos procedimentos de adoção que ferem os direitos das famílias de origem; orçamento insuficiente para a assistência social.
Por esses motivos, começamos a notar que era preciso ir além. Olhar para as políticas públicas que afetam diretamente o direito à convivência familiar e comunitária entrou na agenda do Instituto em 2018. Sabemos da importância de nossos programas, da mobilização de voluntários, do valor de formações e publicações sobre o tema, mas acreditamos que a área de Advocacy dentro do Instituto é necessária para combater problemas de ordem macro política que impactam fortemente a vida de inúmeras crianças, adolescentes e famílias com as quais trabalhamos.
Uma das atividades mais valiosas da equipe de Advocacy do IFH nesse momento é a participação no processo de atualização do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária.
Entenda o que é o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária e os motivos que o tornam tão importante
O nome completo do Plano é “Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária” e sua sigla é PNCFC. Ele é um conjunto de estratégias, objetivos e diretrizes que orientam a execução das políticas públicas do Brasil relacionadas à garantia do direito à convivência familiar e comunitária. Por ser decenal, ultrapassa diferentes gestões de governo e impede a descontinuidade das políticas públicas a cada mudança político-partidária. É um planejamento de médio prazo que orientará todas as ações na área da convivência familiar e comunitária no país, exigindo que cada Estado, o Distrito Federal e Municípios elaborem seu respectivo plano em consonância com o PNCFC.
A primeira versão do Plano foi publicada em 2006, através de uma Resolução Conjunta do CONANDA e do CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social) - Resolução CNAS/CONANDA No 1/2006, de 13 de dezembro de 2006. O Plano foi resultado de um processo participativo de elaboração conjunta, envolvendo representantes de todos os poderes e esferas de governo, da sociedade civil organizada e de organismos internacionais, os quais compuseram a Comissão Intersetorial que elaborou os subsídios apresentados ao CONANDA e ao CNAS.
O Plano foi um marco nas políticas públicas no Brasil, ao romper com a cultura da institucionalização de crianças e adolescentes e ao fortalecer o paradigma da proteção integral e da preservação dos vínculos familiares e comunitários preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir dele, as crianças e os adolescentes passaram a ser vistos de forma indissociável de seu contexto familiar e comunitário.
As estratégias, objetivos e diretrizes da primeira versão do Plano estavam fundamentados primordialmente na prevenção ao rompimento dos vínculos familiares, na qualificação do atendimento dos serviços de acolhimento e no investimento para o retorno ao convívio com a família de origem. Somente se esgotadas todas as possibilidades para essas ações, o Plano previa o encaminhamento para família substituta, mediante procedimentos legais que garantissem a defesa do superior interesse da criança e do adolescente.
O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária representou um importante instrumento para a mobilização nacional e suas diretrizes se transformaram em ações concretas que permitiram ao Brasil avançar na garantia do direito fundamental das crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária.
Qual foi a contribuição do IFH na atualização do Plano?
Quando terminou o período de 10 anos de execução da primeira versão do Plano, teve início um processo de avaliação para identificar os resultados alcançados (o que mais avançou, o que menos avançou, o que ainda precisa ser feito), para subsidiar a atualização de uma nova versão do Plano, para alinhar a nova versão com as normativas e legislações posteriores à primeira publicação, para incorporar questões do contexto atual e para levar os resultados da execução do Plano ao CONANDA e ao CNAS. Esse processo de avaliação contou com a participação de diversos atores: trabalhadores de serviços de acolhimento e do Sistema de Justiça, membros do executivo, grupos de apoio à adoção e jovens egressos de serviços de acolhimento. O IFH participou dessa etapa de avaliação organizando e realizando as oficinas de escuta dos jovens, que resultaram na elaboração e publicação da pesquisa “Minha Vida Fora Dali”.
A partir dos resultados da avaliação, teve início o processo de atualização do Plano em maio de 2022. A primeira etapa dessa atualização é a realização de 16 oficinas que vêm reunindo semanalmente 30 participantes de diversos ministérios do governo federal, de organizações da sociedade civil, do Sistema de Justiça, pesquisadores e especialistas no tema da convivência familiar e comunitária. O IFH tem participado ativamente dessas oficinas representando a Coalizão pelo Acolhimento em Família Acolhedora.
Após a finalização deste ciclo de oficinas, em setembro de 2022, os insumos e contribuições dos participantes serão sistematizados e submetidos ao CONANDA e ao CNAS para que o texto seja aprimorado pelos Conselhos, quando o IFH terá novamente oportunidade de contribuir com o Plano enquanto conselheiro suplente. Em seguida, cada Conselho colocará a nova versão do Plano em consulta pública para que outros membros da sociedade, entidades, atores do judiciário possam fazer suas contribuições. Por fim, a redação final do Plano será votada e aprovada por esses conselhos.
Participar de momento histórico tão importante, talvez comparável ao período de união de esforços e participação social em que o Plano teve sua primeira formulação, nos traz um imenso senso de responsabilidade. Estamos honrados e orgulhosos por fazer parte da formulação de políticas públicas que contribuirão ainda mais para a efetivação do direito à convivência familiar e comunitária das crianças e adolescentes do Brasil.
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