No dia 28 de fevereiro de 2024, o Instituto Fazendo História realizou a sétima oficina presencial do Projeto Formação Profissional para o Trabalho com Jovens, com o apoio do FUMCAD (Fundo Municipal da Criança e do Adolescente), no Instituto Pólis. Com o tema "Saúde mental e juventude", o encontro foi direcionado aos profissionais que atuam nos Serviços de Acolhimento e também a outros atores da Rede Socioassistencial e do Sistema de Garantia de Direitos da Cidade de São Paulo.
A oficina contou com a participação de Kwame Yonatan, psicanalista e doutor pela PUC-SP, atua como supervisor, é professor no Instituto Gerar, poeta e escritor. O convidado inicia propondo um exercício de apresentação, onde cada participante, além de trazer seu nome e organização na qual trabalha, indica como se define racialmente. Ele aponta como isso permite um diagnóstico de como estamos situados no mundo e que fazer essa pergunta às crianças e jovens é, na verdade, questionar: como me vejo, como sou visto e como quero ser visto. Além disso, contar nossa história e nos nomearmos é um exercício de saúde mental, e poder se dizer racialmente contribui para o rompimento de silenciamentos, que ocorrem quando não falamos e prevalece o que dizem sobre nós.
Em seguida, o convidado aborda o objetivo a ser percorrido ao longo da oficina: ampliar o conceito de saúde mental, se afastando de um reducionismo por uma via hegemônica, onde prevalece o olhar para diagnósticos, e trazendo o escopo da singularidade, da multiplicidade e da pluralidade, para então, entrelaça-lo ao campo da juventude. Nesse momento, provoca o grupo a pensar sobre o que é saúde mental, apresentando alguns conceitos, de onde partem e suas problematizações. Ele aproxima a ideia de saúde ao acesso à vida, como algo gradativo, relacional e coletivo: saúde mental se vincula às relações que estabelecemos, aos momentos de nossa existência que afetam a saúde, de modo que um sujeito em sofrimento psíquico também pode ter sua existência reduzida.
Para abranger como esse conceito aparece na prática, Kwame apresenta dados e reflexões da história do campo da saúde mental no Brasil, indicando suas raízes na psiquiatria e traçando alguns elementos importantes nesse caminho, como o surgimento dos primeiros hospitais psiquiátricos e das primeiras leis assistenciais e higienistas, iniciativas pioneiras nas formas de enxergar e atuar com a ideia da loucura e a instauração da lei da reforma psiquiátrica, em 2001, visando retirar a loucura de uma perspectiva punitivista para um lugar do cuidado. Ele discute como, apesar da lei, a lógica manicomial ainda está presente hoje, em muitos espaços, precisando ser reconhecida e combatida. Aponta, também, em 2002, a portaria que estabelece o que são os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), propondo outra lógica de cuidado no território e um processo de desinstitucionalização da loucura, a partir da articulação em rede.
O convidado segue discutindo como é essencial olhar para as disputas históricas para se compreender a constituição do campo da saúde mental no Brasil, considerando a ideia de raça como crucial nesse percurso. Ao problematizar quais corpos eram, em sua maioria, dos internados em manicômios, aborda como essa construção foi forjada em um processo de desumanização de negros e indígenas. Kwame indica, então, como, ao falarmos de saúde mental, para muito além da ideia de diagnósticos, precisamos levar em conta as histórias dos sujeitos e as violências pelas quais estes passaram, cuidando para não reduzir questões de outros campos relacionais a um aspecto individual. Provoca a pensar como, muitas vezes, é por meio do sofrimento psíquico que os jovens expressam as violências pelas quais passam, indicando uma perspectiva de olhar o sintoma na qual se reconhece que ele vem acompanhado de uma história e de uma narrativa.
Kwame ainda propõe uma discussão sobre juventude, pautada no Guia de Referência ao Enfrentamento à Violência e ao Racismo contra Jovens Negros. Ele expõe como, ao falarmos de jovens no Brasil, precisamos nos perguntar de que jovens estamos falando, considerando diferentes marcadores sociais, como de raça, gênero, classe e orientação sexual. Quanto mais marcadores tiver esse jovem, maior a sua exposição às vulnerabilidades e mais ele pode expressar essas violências que, muitas vezes, não são ouvidas e aparecem em forma de diagnósticos. Traz também como a ideia de juventude está atrelada a um lugar de questionamento à ordem estabelecida e que, por conta dessa capacidade, há sempre o perigo dessa força política ser silenciada e patologizada. Torna-se urgente pensar em quais são os espaços que estamos abrindo para a escuta dos jovens e como escutar, de fato, o que está sendo contestado, em direção à humanização desses sujeitos, repletos de desejos e sonhos.
Em um segundo momento do encontro, como forma de dialogar com os profissionais presentes, Kwame lança as perguntas disparadoras: como veem o que é escuta qualificada e o que seria essa qualificação da escuta? A partir das contribuições, ele indica como ela se vincula às ideias de exercício de alteridade, de processo e de aprendizagem e que, por vezes, quando o jovem chega ao serviço, essas três dimensões são esquecidas e ele se torna um diagnóstico. Aponta como fundamental o movimento de os profissionais se abrirem para olhar para esses sujeitos, com outras histórias, perspectivas e raças, e para como esses determinantes sociais os afetam. Trata-se de um exercício de escutar para além do que está sendo dito, cuidando para não impor as próprias visões de mundo e, assim, reproduzir violências. Por fim, aborda como a qualificação da escuta deve caminhar como um processo de humanização desses jovens, deixando-se afetar, abrangendo sua história e garantindo direitos.
Autoria: Maytê Aché Saad - Técnica do programa Formação no Instituto Fazendo História, psicóloga e mestre em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência pela UNIFESP. Atua como psicóloga clínica e com processos de supervisão e formação de equipes na área da educação e assistência social.
Kwame Yonatan é psicanalista e doutor pela PUC-SP, professor no Instituto Gerar, poeta e escritor. Tem também experiência profissional em políticas públicas, sendo supervisor institucional de profissionais do SUS e do SUAS e compõe o coletivo Margens Clínicas, grupo de psicanalistas e psicólogas que atuam no enfrentamento à violência de Estado. Também é um dos articuladores do projeto "Aquilombamento nas Margens".
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