No dia 18 de outubro de 2021 foi realizada a oficina “Entre o acolhimento e a vida adulta”, que contou com a participação das profissionais Luciana Perez, psicóloga, mestre e doutora em psicologia pela UFRGS, Sulamita Assunção, psicóloga, mestra em ciências sociais pela PUCSP e conselheira no CRP e Ingrid Felicio, jovem de 18 anos, moradora da Zona Oeste, trabalhadora e estudante de direito. A mediação foi feita por Lara Naddeo, coordenadora do Instituto Fazendo História, e Daniela Martins, psicóloga e técnica no Programa de Formação do Instituto Fazendo História.

Na abertura da oficina, Luciana Perez tratou da transição dos jovens que passam do acolhimento à vida adulta. Ela iniciou sua fala comentando sobre as particularidades do contexto brasileiro, mas salientando que muitos aspectos da transição são comuns independentemente da região onde ele ocorre, sendo possível, portanto, aprender com experiências ocorridas em outras localidades. Ela apresentou diversas iniciativas no exterior que trazem informações sobre o tema e referências.

Luciana trouxe um trecho do documentário “Eu quero ir para casa”, no qual jovens trazem depoimentos relativos a este processo de transição e suas dificuldades. Eles comentam sobre os sentimentos de carência, da falta de suporte sentida e da pouca preparação para sua saída para o “mundo lá fora”.

Ela afirma que o medo e a incerteza acompanham tanto os jovens quanto os responsáveis por seu desacolhimento. Apresenta uma pesquisa de Greeson, que traça um panorama do processo de desacolhimento dos jovens, mostrando que eles têm poucas habilidades para uma vida independente e a eles faltam adultos de referência. Assim que são desacolhidos, os impactos imediatos costumam ser negativos, o que é exacerbado por uma baixa rede de suporte social, levando a mais adversidades e a uma trajetória de desvantagens e dependência.

Luciana apresenta parte de sua pesquisa de doutorado, que identificou as principais necessidades dos adolescentes no processo de transição, compostas pelos seguintes itens:

  1. Preparação para a vida adulta / autonomia (habilidades de vida quotidiana, profissionalização e escolaridade)

  2. Apoio social e emocional

  3. Estabilidade no acolhimento (manutenção de vínculos)

  4. Ênfase em aspectos macro-contextuais (políticas públicas, gestão, direitos)

  5. Empoderamento e participação ativa na tomada de decisão

  6. Avaliação continuada de programas e serviços

 

Ela apresenta outra pesquisa, Mais Autonomia, mais direitos, que traz os direitos dos jovens, como direito à proteção integral, à convivência familiar e comunitária, à moradia de transição, a acompanhamento pós desligamento e à participação. Traz também a pesquisa Minha vida fora dali, que apresenta diversos pontos ligados ao acolhimento, como a importância da vinculação afetiva, a necessidade de se cuidar dos cuidadores, a questão da convivência comunitária comprometida, a lacuna entre o acolhimento e a vida autônoma, as falhas no desligamento e no acompanhamento pós desligamento, a pouca possibilidade de morar em repúblicas, o peso do “mérito” individual e a família acolhedora como espaço privilegiado de vinculação.

Após a apresentação destas pesquisas, ela cita uma lista de recomendações ligadas ao acolhimento, compostas por:

●     Fortalecer o trabalho com famílias e inserção comunitária

●     Evitar a circulação entre diferentes serviços

●     Capacitar profissionais

●     Contar com diferentes modalidades no acolhimento

●     Possibilitar a participação dos adolescentes em atividades de vida quotidiana

●     Oferecer aos jovens egressos acesso prioritário às políticas já existentes

●     Garantir espaços de escuta no dia a dia do acolhimento

●     Criar programas específicos de acompanhamento do processo de transição

Na sequência do encontro, Sulamita Assunção, do IFH, apresentou o grupo Nós. Ela explicou o funcionamento do atendimento para os jovens, que fazem o acompanhamento a partir dos 15 anos. Os principais temas tratados no projeto são trabalho, moradia, cidadania e dinheiro. São feitas atividades com os adolescentes em grupo, ligadas a estes quatro eixos, assim como conversas individuais.

Sulamita trouxe a contextualização histórica ligada ao surgimento do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, buscando identificar os elementos que fizeram com que aos 18 anos os adolescentes fossem considerados adultos e prontos a trabalhar, fazendo um paralelo com o período escravocrata e o trabalho das populações negras no Brasil colonial. Articulou a adolescência dos jovens negros com o acolhimento, com o trabalho subvalorizado e a questão da escravidão. Além disso, pontuou a importância de se levar em consideração os aspectos de raça, classe, sexualidade e gênero como importantes aspectos que vão perpassar a vida destes sujeitos - atravessando suas subjetividades, levando a possíveis sentimentos de inferioridade, assim como limitando objetivamente os acessos destas pessoas no mundo.

Sulamita mostrou como é necessário aos profissionais ter a capacidade de tecer novas narrativas sobre os jovens, construir novas perspectivas e trazer consciência sobre as estruturas sob as quais vivem, aumentando sua capacidade crítica e de autonomia.

Em seguida, a jovem Ingrid Felicio deu um depoimento sobre como foi a passagem para a vida adulta, afirmando que inicialmente sentiu-se carente ao se mudar para uma república com pessoas com quem não tinha convivência familiar. Esta passagem fez com que ela saísse do mundo protegido do serviço de acolhimento e se deparasse com a realidade nem sempre tão protegida presente nas repúblicas. Ingrid contou ainda sobre as oportunidades que teve no local onde foi acolhida, comparando sua experiência com a de outros jovens que conheceu e enfatizando a desigualdade entre os serviços de acolhimento. Ela ainda comentou sobre a importância da saúde mental dos jovens durante esse processo de crescimento. Em suas palavras, “ter alguém que acredite em você é muito importante. (...) Os jovens necessitam de carinho, de amor, de cuidado”.

Luciana comentou ainda sobre o apadrinhamento afetivo como instrumento de apoio emocional e Sulamita falou da necessidade de redes de pertencimento e de outras possibilidades de parcerias afetivas para além do apadrinhamento.

Assista a oficina na íntegra em nosso canal do YouTube!