Após a veiculação da reportagem da revista Veja São Paulo em 30/09/2016, “As novas vidas da cracolândia: os pais que adotaram crianças abandonadas por mães viciadas em crack”, nós do Instituto Fazendo História, ONG que atua há mais de 10 anos contribuindo com o desenvolvimento de crianças e adolescentes com experiência de acolhimento, decidimos nos posicionar criticamente à reportagem.
A matéria da revista parece tentar desmistificar um preconceito a respeito da adoção de bebês nascidos de mães dependentes químicas. Relata casos felizes de crianças que cresceram saudáveis apesar dos riscos que uma gestação com essas características pode representar. Mas recai em outro preconceito, apresentando essas mães biológicas como mulheres cruéis que abandonam seus bebês sem que isso as afete em nada. Desconsidera o sofrimento e desamparo no qual se encontram essas mulheres, muitas delas também filhas de pais dependentes químicos e sem o apoio necessário para reconectar os fios de suas histórias e fazer outras escolhas.
Quem trabalha na área da saúde sabe a vulnerabilidade na qual pode se encontrar uma paciente no pós-parto. Muitas mulheres assistidas por suas famílias em hospitais particulares, deprimem, surtam ou rejeitam o bebê nos primeiros dias, mas são vistas com compaixão e recebem o tratamento adequado. Difícil mensurar o que vivem na maternidade essas moças da cracolândia. Mas a elas não é oferecido um olhar generoso, afinal “são sujas, viciadas e más”.
Nós acompanhamos muitas famílias nos serviços de acolhimento para onde vão esses bebês antes de serem adotados e podemos garantir que dizer: “Depois do parto voltam às ruas para consumir essas substâncias, como se nada tivesse acontecido” é, no mínimo, uma afirmação leviana.
Temos acompanhado casos como os relatados na reportagem. Mulheres que, após parir, saem desnorteadas da maternidade, não só para consumir drogas como afirma a revista, mas para buscar uma rede de apoio que as ajude com seus bebês. Ao encontrar respaldo na própria família, nos profissionais dos programas da prefeitura e em organizações como a nossa não somem, como diz a reportagem, mas comparecem às visitas e começam um bonito percurso de reorganização de suas vidas para cuidar de seus filhos. E muitas o fazem com responsabilidade e competência. Outras não conseguem, é verdade. E isso as marca profunda e dolorosamente. Uma outra gravidez pode acontecer não só por irresponsabilidade, mas como uma tentativa inconsciente de recuperar o filho perdido e, desta vez, conseguir cuidar.
Importante frisar que uma criança não precisa necessariamente de um quarto só para ela, com brinquedos coloridos. Precisa, sobretudo, que sua origem seja respeitada e honrada no discurso da família que a adota e da sociedade em que vive. As famílias adotivas desses bebês não estão fazendo favor a ninguém. Estão realizando o sonho de ser pais e mães. Podem dar amor, estabilidade e a decoração do “pequeno príncipe” a essas crianças não por serem melhores ou mais generosos que suas mães biológicas. Mas, simplesmente, porque tiveram outra sorte.