O Instituto Fazendo História publica periodicamente situações cotidianas dos serviços de acolhimento, para estimular reflexões e a construção de estratégias a partir de critérios técnicos e não pessoais.
As situações apresentadas fazem parte do kit de Formação “Vamos Abrir a Roda” e abrangem diferentes temáticas: adolescência, bebês, agressividade e limites, histórias de vida, ritos de passagem, entre outras.
Para pensar! O tema das DUAS situações de hoje é: Ritos de Passagem
Situação 1
Mikael (8), Luana (7) e Felipe (4) são irmãos e acabaram de chegar à casa. Ainda não sabemos bem o motivo pelo qual estão aqui, tentamos conversar com eles, mas entendemos ainda pouco sobre essa família. Está chegando a hora de dormir e eles dizem insistentemente que querem dormir juntos... Mas a regra aqui da casa é que os quartos são separados por idade e sexo. E agora?
Considerando todas as mudanças e rupturas que as crianças e adolescentes passam no momento em que são acolhidas, pode-se pensar que a presença dos irmãos seja um fator bastante amenizador deste sofrimento. Na situação apresentada, é possível pensar que os irmãos costumavam dormir juntos na sua casa ou que a possibilidade de ficarem juntos ali traz um tanto de segurança para essa situação. Entendendo que o momento da chegada como um processo de adaptação, talvez possa ser criada alguma flexibilidade na regra dos quartos para construir uma transição: que valide e apresente as regras da casa, mas considere a história e a adaptação das crianças. Vale pensar em itens que promovam maior conforto e segurança às crianças e as ajudem neste processo, como por exemplo, ler histórias e conversar na hora de dormir, oferecer um bichinho de pelúcia para “acompanhá-la”.
Situação 2
Tábara (5) e Talita (3) foram acolhidas já com o poder familiar destituído e sabíamos que seria rápido o encaminhamento para uma família adotiva. Depois de três meses de convivência na casa e dois finais de semana com a família, o juiz já deu a guarda provisória para a família adotante. Eles foram passar o final de semana e não voltaram. Não deu tempo de se despedirem das outras crianças, nem dos educadores.
Uma situação como esta, apesar de nos deixar felizes por um lado (pelo sucesso na concretização da adoção), mobiliza fortes sentimentos em todos na casa. A brusca ruptura não deixa espaço para que crianças, adolescentes e profissionais elaborem a separação da criança com quem estabeleceram um forte vínculo no período de convivência. Para as crianças e adolescentes, é muitas vezes um momento de dar-se conta de que “mais um foi e eu fiquei”. A ausência de algo que marque o desligamento de um dos acolhidos dá, ainda, a sensação de que o período vivido no abrigo e as relações construídas neste tempo não são tão importantes assim. Sempre que possível, é interessante que a equipe da casa promova um ritual, que ajude quem vai e quem fica a lidar com a despedida de forma positiva. Sentir que quem vai deixa a sua marca e também leva algo deste período consigo é essencial, e concretizar essa premissa em forma de fotos, cartas e produções artísticas costuma ajudar.
Quando ocorrerem saídas bruscas, seja por qual motivo for, é possível ainda pensar em estratégias reparadoras, como por exemplo, uma roda de conversa com as crianças e educadores, organização de uma visita das crianças adotadas às casa para um encontro final, o envio de cartas de despedida ou telefonemas, em último caso.