Para a criança e o adolescente, o acolhimento representa uma ruptura com tudo aquilo que lhe é familiar, na medida em que o afasta de sua família e de seu ambiente de origem, rompendo com sua rotina, hábitos e relações afetivas. Assim, mesmo que a família não tenha sido capaz de cuidar da criança em determinado momento e que, por isso, o acolhimento tenha sido necessário, ser afastada de todos os elementos de seu cotidiano (pessoas conhecidas, roupas, brinquedos, etc.) tem um impacto significativo em sua vida.
Dito isso, este texto tem como objetivo apresentar 5 pontos para os quais os profissionais (técnicos, educadores, famílias acolhedoras) devem estar atentos durante os primeiros 7 dias de acolhimento de uma criança ou adolescente, a fim de ajudá-la a passar da forma mais suave possível por esse momento duro da sua vida:
Assim que a criança ou adolescente chega, a primeira coisa a se fazer é escutar o que ela tem a dizer sobre o que está vivendo e sobre seus sentimentos se ela se mostrar aberta a falar sobre isso. Não se trata de qualquer escuta, e sim de uma escuta empática em que os adultos devem estar disponíveis para acolher os sentimentos da criança, explicar os motivos do acolhimento (ressaltando seu caráter provisório e protetivo) e ajudá-la a compreender o que irá acontecer com ela, reconhecendo o que se sabe sobre sua história e admitindo o que não se sabe também. A abordagem com a criança ou adolescente deve ser simples, honesta e cuidadosa, respeitando seu ritmo e sua capacidade de compreensão.
É comum que as crianças perguntem aos cuidadores, logo após sua chegada, quando elas irão retornar para a sua família ou por quanto tempo terão que permanecer na instituição ou na família acolhedora. Estas, por exemplo, são informações que os adultos cuidadores não possuem no início do acolhimento, portanto, é importante explicar à criança que eles ainda não têm essas respostas, mas que enquanto ela estiver ali, ela estará segura e será cuidada por todos!
Durante os 7 primeiros dias de acolhimento, os profissionais devem facilitar o estabelecimento de uma relação empática e de confiança com a criança, para que ela se sinta o mais segura possível neste período de mudanças.
Quanto mais acolhida e segura a criança se sentir nos primeiros 7 dias, mais suave será o processo de adaptação para o novo ambiente!
Para amenizar os impactos da ruptura com o ambiente de origem é importante que os cuidadores perguntem à criança informações sobre o seu dia-a-dia que sejam relevantes para a adaptação ao novo ambiente, por exemplo: “em que horário você costuma dormir?”; “o que você gosta de comer no café da manhã?”; “quais as suas brincadeiras preferidas?”, etc.
Pode ser que a criança não consiga falar sobre seus hábitos anteriores ao acolhimento, por sua idade ou por alguma condição física. Por isso, é fundamental que os profissionais do serviço recolham essas informações com os adultos que cuidavam da criança antes, na intenção de garantir a ela um mínimo de continuidade em sua rotina.
Ao mesmo tempo em que os adultos cuidadores devem se mostrar interessados nos hábitos e preferências da criança ou do adolescente, os primeiros 7 dias de acolhimento não devem ser marcados por muitos questionamentos - a não ser que essa seja a necessidade da criança - para que ela não se sinta sufocada e/ou invadida.
O foco é fazer a criança se sentir bem no novo ambiente e mostrar para ela que suas necessidades e desejos importam muito para os adultos que cuidarão dela naquele momento.
Quanto mais especial a criança se sentir nos primeiros 7 dias, mais suave será o processo de adaptação para o novo ambiente.
Além de buscar conhecer mais sobre as preferências da criança, a primeira semana serve para que os adultos apresentem, aos poucos, como se dá a rotina na instituição ou na família acolhedora. A criança precisará se adaptar às regras da nova casa, mesmo que sua permanência ali seja temporária.
No entanto, os profissionais devem respeitar o tempo que a criança levará para se adaptar e se reorganizar frente às mudanças. Ter calma e paciência! Não se trata de impor a ela uma rotina nova. É preciso delinear a forma como alguns ajustes serão realizados para respeitar tanto o que é familiar à criança quanto o que é preciso para uma boa convivência na instituição ou família acolhedora.
Os cuidadores precisam se colocar no lugar da criança ou do adolescente e refletir sobre o que certas mudanças na rotina significam para alguém que está afastada de suas principais referências afetivas e de tudo o que lhe é familiar.
Por exemplo: se durante a primeira semana de acolhimento uma criança chora para tomar banho, é pouco provável que ela esteja “fazendo birra” por ser contra as regras e rotina do novo ambiente. Na verdade, seu choro pode significar desconfiança frente aos novos cuidadores, medo do que irá acontecer com ela, saudade do que lhe é familiar, necessidade de ser acolhida em suas dores.
Quanto mais paciência os cuidadores tiverem com a criança nos primeiros 7 dias, mais suave será o processo de adaptação para o novo ambiente.
Nos primeiros 7 dias de acolhimento, os cuidadores devem evitar contato físico que possa parecer invasivo para a criança ou o adolescente, como beijos e abraços. O ideal é observar os movimentos da criança para se aproximar ou distanciar fisicamente dos profissionais e seguir seus sinais e necessidade de proximidade.
Além disso, sempre que for preciso tocar na criança ou adolescente (durante a troca de fralda, hora do banho, alimentação, brincadeiras) os adultos cuidadores devem antecipar para ela o que irão fazer e observar suas reações após este anúncio. Isso porque o contato físico deve ser previsível para a criança, para que ela se sinta segura e no controle da situação.
Quanto mais respeitada a criança se sentir nos primeiros 7 dias, mais suave será o processo de adaptação para o novo ambiente.
Por último, mas não menos importante, é fundamental que os adultos cuidadores viabilizem mais tempo livre para estarem junto à criança ou ao adolescente nos primeiros 7 dias de acolhimento. Mais tempo e tempo de qualidade: de observações, escuta, interações, afeto e trocas! Mais tempo para “simplesmente” observar a criança, para escutá-la e conversar com ela, brincar daquilo que ela quiser ou propor novas atividades, ajudá-la nas tarefas escolares, para alimentá-la e dar banho, etc.
Para que um vínculo com uma criança ou adolescente que está passando por um momento de rupturas com tudo o que lhe é familiar possa ser construído, os cuidadores precisam se mostrar muito disponíveis para conhecê-la e dispostos a estarem com ela nos primeiros dias.
Quanto mais disponibilidade para estar junto os profissionais mostrarem à criança nos primeiros 7 dias, mais suave será seu processo de adaptação para o novo ambiente!
Mas será que estar atento a esses 5 pontos durante os primeiros 7 dias de acolhimento é suficiente para garantir a adaptação de crianças e adolescentes nos serviços?
Infelizmente não!
Algumas crianças podem sim se adaptar bem ao novo contexto na primeira semana e vivenciar com mais ênfase o sofrimento e o medo inerentes à ruptura com seu ambiente de origem e à chegada no acolhimento nesse período No entanto, não podemos generalizar que isso acontecerá, tampouco comparar o período de adaptação de um novo acolhido ao de outra criança que já tenha passado pelo serviço.
Algumas crianças lidam melhor com as rupturas, outras não. Algumas crianças demandam mais atenção nos cinco pontos apresentados neste texto nos primeiros 7 dias de acolhimento, outras ao longo do primeiro mês, outras durante todo o tempo que ficam acolhidas.
Uma das maiores angústias dos profissionais é justamente saber quando o processo de adaptação de uma criança ou adolescente ao acolhimento irá acabar (e se irá acabar!). E para isso ninguém tem resposta. Mas se os profissionais garantirem acolhimento, segurança, paciência, respeito e disponibilidade para estar junto, as crianças poderão vivenciar esse momento difícil das suas vidas da forma mais suave possível, tendo a chance de construírem vínculos com seus cuidadores, tão importantes para seu desenvolvimento e sua autoestima!
Por Ana Clara Fusaro Rodrigues
Ana Clara é psicóloga, psicoterapeuta psicanalista e mestre em Psicologia Clínica. Também atua como colaboradora no projeto de pesquisa EI-3 (Impactos de Intervenções sobre a Institucionalização Precoce).