A Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao promover a doutrina da proteção integral, inaugura uma nova era de cuidados, políticas e atenção à criança e ao adolescente. A Lei 12.010/09, que a altera, foi promulgada após amplo debate e aperfeiçoa o ECA no que tange à convivência familiar e comunitária. Nós, do Instituto Fazendo História, temos orgulho em trabalhar a partir do ECA e segurança em defender essa normativa, reconhecendo seu valor, ao regulamentar o artigo 227 da Constituição Federativa do Brasil, de 1988, que assegura a Absoluta Prioridade à crianças, adolescentes e jovens.
Artigo 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
O direito à convivência familiar e comunitária é o desafio constante que move a equipe do IFH.
Ele se fundamenta na prevenção ao rompimento dos vínculos familiares, na qualificação do atendimento dos serviços de acolhimento e no investimento para o retorno ao convívio com a família de origem. A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer depois de aplicados os recursos previstos para a manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa. Ela deve ocorrer dentro das regras estabelecidas e honrar a conquista do Cadastro Nacional de Adoção, prevenindo práticas perversas de venda e tráfico de crianças e adolescentes.
O PLS 369/2016, de autoria do Senador Aécio Neves e relatoria da Senadora Katia Abreu coloca em risco as vitórias já celebradas pela implementação do ECA. Ao propor, em seu Artigo 1, a aprovação da adoção Intuitu Personae para crianças a partir de 2 anos, a proposta legislativa abre uma brecha grave para que a criança perca seu lugar de sujeito de direitos e seja entregue ou vendida. Famílias que tenham interesse em adotar, mas dificuldade para compreender que esse processo leva tempo, uma vez que as crianças disponíveis não se encaixam no perfil desejado, encontrarão nessa lei a oportunidade que buscavam para “ furar a fila do Cadastro” e, com recursos financeiros, conseguir filhos de mulheres mais vulneráveis financeira, social e emocionalmente.
A proposta em nada colabora para que crianças acolhidas sejam encaminhadas mais rapidamente para adoção, uma vez que bebês cujas famílias estão destituídas do poder familiar encontram rapidamente uma família adotiva. Assim, prova-se a lógica de que a legislação atenderia aos adultos interessados em adotar, mas não de fato às crianças, como é premissa do ECA.
Vale ainda ressaltar que o esforço dos parlamentares para prevenir que bebês sejam abandonados em latas de lixo ou em calçadas pode direcionar-se a outras iniciativas como a garantia de programas qualificados de pré-natal em que a situação familiar seja observada com cuidado e em que seja contemplada a entrega do bebê para adoção pelos meios hoje já legalizados. A entrega voluntária de um filho para adoção é uma forma legal e segura, já existente nas normativas, não havendo riscos de um desvirtuamento do mecanismo para a venda ou tráfico de bebês.
Assim, preocupados com o avançar de tal proposta no Senado e, entendendo o mérito do desejo de colaboração dos parlamentares ao trazer propostas de aprimoramento para procedimentos de adoção, sugerimos urgentemente a realização de audiências públicas, análises de pareceres de especialistas e possibilidade de diálogo com a rede de atendimento deste público antes do avançar da proposta, evitando retrocessos irreparáveis que não haviam sido comensurados.
Colocamo-nos à inteira disposição dos Excelentíssimos Senhores Senadores para que possamos encontrar outras formas de garantir a convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes como a regulamentação da preparação da adoção realizada pelo judiciário, que resulte em um maior trabalho com adotantes para a alteração do perfil desejado, a ampliação de programas de famílias acolhedoras e, sobretudo, investimento em políticas básicas que previnam o rompimento dos vínculos familiares que, sabemos, muitas vezes poderia ser evitado. Certamente, evitaríamos também muito sofrimento.
Respeitosamente,
Instituto Fazendo História