Paulo Freire nos diz que para aprender a pensar é necessário aprender a pesquisar, ou seja, é preciso duvidar, se perguntar por quê. E a primeira pergunta que nos fazemos é sobre nós mesmos, o que parece bastante óbvio: quem somos, como nos nomeamos e nos reconhecemos?

Mas, quando olhamos pra construção da autonomia adolescente no contexto de vulnerabilidade social, nos deparamos com estereótipos, como destinos traçados a partir de certos acontecimentos, que deixam pouco ou nenhum espaço de pensamento e questionamento.

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E isso está colocado não apenas para adolescentes institucionalizados, mas para todos aqueles que carregam sinais que despertam no Outro, não um olhar de interesse genuíno ou de curiosidade, mas de desprezo, preconceito e segregação, onde não cabe pergunta, como se a diferença fosse um mal a ser eliminado. Assim, há certos códigos que parecem invisíveis, mas que atuam de forma quase absoluta, como determinantes de uma espécie de destino que se auto cumpre, como se não houvesse nenhuma possibilidade de deslocamento, de poder ser, também, outra coisa.

Nesse caso, considerando o processo de subjetivação, podemos dizer que “existe um discurso social que incide de modo mais intenso nas situações em que as famílias têm suas posições desqualificadas como transmissores, o que produz um lugar na estrutura social que tem desdobramentos fundamentais nos discursos sobre o jovem […] O discurso carregado de expectativas culturais, qualifica os atos e pode qualificar pequenos delitos, uso de drogas, desobediência e brigas, como crimes, como um sinal de delinquência prevista ou de personalidade antissocial”, para qual já existe um lugar destinado. Rosa, M. (2012)

Se entendemos que é, justamente o encontro com o outro: o semelhante, os pares, o estrangeiro e consigo mesmo, o que permite desenhar identidades e identificações que circulam nos territórios e que possibilitam novas histórias e outros pontos de chegada e partida, podemos dizer que as relações de meninos e meninas com a cultura e o espaço público configuram um campo em que eles ensaiam e encenam inúmeras tentativas de uma existência que tenha sentido, reconhecimento e valor, a partir de suas escolhas.

Talvez, o maior desafio de todos seja se sentir capaz de construir a própria história. E para construir uma história futura, é preciso olhar para o caminho feito até ali: o que temos, o que herdamos, o que vamos deixar para trás, do que gostaríamos de nos livrar mas não conseguimos, o que gostaríamos de mudar, de dar outro sentido, já que não pode ser apagado.

Outro desafio, tão fundamental quanto o primeiro, é encontrar alguém que possa escutar essas histórias, que possa sustentar idas e vindas, que acompanhe ordem e desordem, que leve em conta que aos 18, meninos e meninas não estão prontos, eles estão só começando!

“A família, a escola, os outros, todos elegem em nós uma centelha promissora, um território em que poderemos brilhar. Uns nasceram para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para ser outros. Eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios [...] eu podia ter inventado viagens infinitas, vencido distâncias e cercos. Como faria qualquer outra criança, poderia ter dado a volta ao planeta, até que o universo inteiro me obedecesse. Mas isso nunca sucedeu: o meu sonho não aprendera a viajar. Quem viveu pregado a um só chão não sabe sonhar outros lugares.” (Antes de nascer o mundo - Mia Couto)

Cristina Rocha - psicanalista e supervisora do Grupo nÓs, o programa do Instituto voltado a jovens que estão em processo de saída do acolhimento.