Desespero, desamparo, choque, susto e medo. Essas foram as palavras usadas por Wiliam Jonathan, 23 anos, para descrever como se sentiu quando estava prestes a completar 18. Isso porque desde os quatro anos viveu em um abrigo. Depois de uma adoção falha, perdeu as esperanças. “Isso pode parecer muito ruim, mas aos 14 anos, comecei a pensar que já era”, conta o paulista.
Ele entrou então para as estatísticas. No Brasil, 4.086 adolescentes entre 16 a 17 anos vivem em serviços de acolhimento institucional, segundo dados do Senso SUAS 2016. Segundo dados do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), coletados entre março de 2012 e março de 2013, em um levantamento com 86% dos serviços de acolhimento do país, 1.141 adolescentes foram desligados dos serviços por completarem 18 anos.
Neste contexto, o problema não está apenas na mudança brusca na realidade desses jovens, mas também na falta de estrutura oferecidos a eles. “É um choque de realidade. O abrigo é como se fosse um mundo à parte dentro da sociedade”, explica William. “Muitos jovens nunca tiveram acesso a dinheiro antes, não sabem como fazer compras, por exemplo”, relata o ator, que atualmente trabalha e mora em uma academia
Aos 18 anos, William não sabia para onde ir. Surgiu então uma oportunidade que iniciava sua caminhada a passos largos. O Instituto Fazendo História, que desde 2005 auxiliava a caminhada de jovens em abrigos, estava começando uma nova ação, destina aos adolescestes que, assim como ele, estavam em um período de transição.
Nasceu então o Grupo Nós, que por meio de muita conversa e observando os perrengues enfrentados pelos adolescentes, chegou ao formato que tem hoje. O objetivo do projeto é trabalhar a autonomia e dar maior estrutura aos adolescentes que logo deixarão o acolhimento. “A ideia é de inseri-los socialmente, já que muitas vezes eles ficam por anos na mesma instituição. Para os serviços de acolhimento, é difícil dar conta da individualidade de cada um, devido a demanda que eles têm”, explica Mahyra Costivelli, coordenadora do Grupo Nós.
A iniciativa reúne-se com os adolescentes semanalmente. Ao todo, são dois encontros mensais individuais com um técnico, psicólogos ou assistentes sociais, com a missão de aconselhar, apoiar e ajudar o jovem. Há também um encontro em grupo para debater temas variados e uma saída cultural, que tem como destino cinemas, teatros, exposições ou parques. “Queremos dar a eles a sensação de pertencimento à cidade, aos espaços públicos”, conta Mahyra.
O instituto também quer ensinar os jovens a lidar com questões relacionadas a profissão e a moradia. Eles ensinam como os participantes devem se portar e se vestir para entrevistas e reuniões e, potencialmente, encaminham esses adolescentes a empresas parceiras do projeto.
Ao todo, o acompanhamento dura três anos. No segundo período, depois que o adolescente tem uma percepção maior sobre si mesmo, o intuito é inseri-lo no mercado de trabalho. Espera-se também que o jovem saiba se organizar financeiramente.
Para participar, é preciso que o serviço de acolhimento onde o jovem está tenha parceira com o Instituto Fazendo História. Esses adolescentes passam por um processo seletivo. Foi assim com Cristiane Martins, 17 anos. Ela foi para o abrigo aos cinco, junto a irmã, depois de denunciarem seus pais. Hoje, mora com o marido, Otávio, e o filho, Leonardo Martins, mas ainda recebe apoio do Grupo Nós. Para a jovem, participar da iniciativa fez com que muitas portas se abrissem em sua vida. “Foram trabalhos, cursos, lugares que conheci, ganhei amigos e companheiros também”, conta Cristiane, que hoje trabalha com auxílio do projeto. Para ela participar dos encontros facilitou sua organização e a deu consciência de como gastar seu dinheiro.
“Muitos jovens saem do acolhimento sem nunca terem tido contato com dinheiro, logo, no primeiro contato, ‘torram tudo’”, conta Mahyra. Por isso, a iniciativa oferece aos adolescentes uma bolsa — que se parece com uma mesada. Ela deve ser usada para o transporte e deslocamento até os encontros, “mas sempre sobra um pouco para eles gastarem com outras coisas”, explica a coordenadora. “O mais legal é que o projeto dá liberdade e deixa você decidir o que faz com o dinheiro. Com o tempo você descobre como gastar com consciência e onde investir”, relata William.
“No final, você sabe quais caminhos são bons e ruins e descobre que não é preciso necessariamente uma família para te dar apoio. Viver é muito mais e é preciso força de vontade”, conta o sonhador William. O objetivo dele é ter estabilidade, uma casa própria e ajudar seus irmãos, de 14 e 12 anos, que também estão em abrigos. Para o artista, a saída dos caçulas, se tiver apoio do Grupo Nós, será um processo mais fácil. “Um trabalho assim dá mais segurança. Eu teria muito mais medo sem esse apoio”.
Texto escrito por Fernanda Silva, do Jornal Cidadania, uma publicação da Fundação Cásper Líbero. (http://cidadania.fcl.com.br/dezoito-e-agora)