No dia 27 de maio de 2017 foi realizada a oficina “Trabalho em Rede: Pela Garantia do Direito à Convivência Familiar e Comunitária”, que contou com a participação do juiz Eduardo Rezende de Melo e do psicólogo Raul Araújo, que integra a equipe do Programa Formação do Instituto Fazendo História.
Raul iniciou a apresentação fazendo um retrospecto da História e dos marcos legislativos relacionados aos direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil. O objetivo foi compreender como foi sendo estruturado no país o Sistema de Garantia de Direitos (SGD), destacando que parte da História ainda permanece no funcionamento do SGD, muitas vezes como obstáculo para seu devido funcionamento. O psicólogo ainda pontuou a importância de se fazer uma diferenciação entre a rede (que se estrutura de forma horizontal e se articula positivamente para garantir um direito) e o SGD que tem uma hierarquia com diferentes funções e o devido controle das ações.
Em relação aos antecedentes históricos, Raul abordou os diferentes marcos nacionais e internacionais, passando pelas Ordenações Filipinas de 1603 que criou a figura do Juiz de órfãos que tinha a função de tratar das questões de sucessão e de tutela de crianças ricas, mas que no desenvolvimento da História passou a ter outras atribuições. Também mencionou o Contrato de Soldata de 1835, em que crianças pobres poderiam ser entregues a uma família para prestar um serviço doméstico, recebendo uma remuneração por este trabalho. Dentre outras legislações e marcos, Raul ainda abordou a proibição do trabalho infantil no Brasil em 1891, a criação do primeiro Juizado de Menores em 1923, a Declaração de Genebra de 1924, sendo a primeira a conceber a possibilidade das crianças e adolescentes serem sujeitos de direitos, tendo surgido exatamente no contexto do pós 1º Guerra Mundial, em que havia a necessidade de proteção dos órfãos dos pais que morreram durante o conflito. No âmbito internacional, Raul ainda destacou a promulgação da Declaração Universal dos Direitos das Crianças em 1959. No Brasil, em 1927 foi criado o primeiro Código de Menores que estabeleceu a figura do juiz de menor, já em 1942 foi criado o Serviço de Assistência ao Menor e em 1964 passou a existir a FUNABEM. Em 1979, em plena ditadura militar, foi criado o segundo Código de Menores.
Raul destacou em sua fala que na década de 80 passou a existir nas cidades brasileiras o fenômeno das crianças de rua, havendo uma série de discursos que demonstravam a preocupação com esta situação. Um importante ator neste momento foi o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua que teve a importância de mostrar para a sociedade que as crianças em situação de rua não eram “da rua”, “não surgiam do asfalto”, mas que provinham de famílias com uma série de problemas em relação à moradia, trabalho, geração de renda e que acima de tudo eram sujeitos de direito. Como parte importante do movimento de abertura e democratização do Brasil, a Constituição Federal do Brasil postulou em seu artigo 227 que é “dever da família, do Estado e da sociedade assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Além da Constituição, Raul ainda mencionou os seguintes eventos e marcos legais:
• 1989 - Convenção Internacional dos Direitos da Criança
• 1990 - ECA
• 1991 - Criação do CONANDA
• 1992 - Criação do CONDECA
• 1993 - Lei Orgânica da Assistência Social
• 1995 - Conferência Nacional das Crianças e dos Adolescentes
• 1996 - LDB
• 2000 – Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes
• 2003 – Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil
• 2005 – Sistema Único da Assistência Social
• 2006 – SINASE
• 2006 – Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária
• 2009 – Lei de adoção
• 2012 – Lei do SINASE
De acordo com o psicólogo, os marcos regulatórios dos últimos 20 anos mudaram o enfoque nas políticas sociais que passaram a ter um caráter universal, como o SUS. Concomitantemente, houve uma mudança na concepção de infância que passou a ser considerada uma fase peculiar do desenvolvimento humano, sendo que crianças e adolescentes passaram a ser considerados sujeitos de direitos. Neste novo cenário, houve uma mudança no papel da sociedade civil em relação ao Estado e às políticas públicas, passando a haver o conceito de participação cidadã e social. A participação implicou em uma forma de fazer controle social e dar espaço e visibilidade às demandas sociais. Houve a criação de canais institucionalizados de participação, como o orçamento participativo; as conferencias municipais, estaduais e federais; as audiências públicas; o Conselho Tutelar e os conselhos gestores das políticas. Também passou a haver um processo de descentralização da esfera federal para a municipal, que passou a contar com mais recursos e responsabilidade na execução das políticas.
O ECA por sua vez conta com três grandes mecanismos de participação e controle social: as conferências, os Conselhos Tutelares e Conselhos de Direito. De acordo com o artigo 88 do Estatuto, os Conselhos de Direito são órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurando a participação popular paritária por meio de organizações representativas segundo leis federais, estaduais e municipais. Já o artigo 131 do ECA prevê que o Conselho Tutelar é um órgão permanente a autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Segundo Raul, um conjunto tão amplo de direitos previstos a partir do ECA não poderia mais estar centralizado em um único ator, como antes era o Juiz de Menor. Neste sentido, vários atores passaram a ser responsáveis pela implementação do Estatuto a partir de uma lógica sistêmica, ou seja, a partir de um Sistema de Garantia de Direitos que se divide em três eixos – 1) defesa, 2) promoção dos direitos e 3) controle e efetivação. Para o palestrante, o sistema é como uma orquestra que tem que tocar uma partitura - o ECA. Dependendo da qualidade dos instrumentos, da habilidade dos músicos e da acústica do local, a orquestra pode tocar mais ou menos afinada. O Sistema de Garantia de Direitos (SGD) depende da articulação desses diferentes atores, que englobam:
• Crianças, adolescentes e suas famílias, que são cidadãos e sujeitos de direitos;
• Governos Municipais, Estaduais e Federal;
• Agentes públicos que executam a políticas públicas (ex. professores, assistentes sociais, etc.);
• Sistema de Justiça: Ministério Público, Juiz e Defensoria;
• ONGs, sociedade civil organizada e movimentos sociais de defesa de direitos;
• Poder legislativo municipal, estadual e federal;
• Conselho Tutelar;
• Conselhos de Direitos (municipal, estadual e federal);
• Polícia.
Considerando que o foco da oficina foi a importância da rede e o fortalecimento do SGD para garantir um conjunto de direitos, particularmente o direito à convivência familiar e comunitária, o palestrante pontuou a importância de se explorar com mais afinco este direito, postulando que ainda há poucas discussões sobre o significado de se pertencer a um grupo social, incluindo a família e o território. Em um país que constantemente lida com deslocamentos de populações, Raul enfatizou que é fundamental refletir sobre o que significa pertencer a um lugar. O psicólogo elencou alguns questionamentos relacionados a este tema, tais como: em quais casos o acolhimento e a adoção fazem sentido? Quais os casos de acolhimentos inadequados são mais frequentes? Qual é o papel do Conselho Tutelar no acolhimento, bem como do CRAS, CREAS e do Sistema de Justiça? Além disso, quais os dispositivos existentes atualmente para o acolhimento, tais como o abrigo e a família acolhedora?
Com o ECA, houve um novo paradigma no acolhimento, que procura manter a convivência com a família de origem ou família extensa. Porém, ainda hoje há uma concepção de que é necessário começar uma nova vida para a criança, virar uma página, sem considerar e respeitar os vínculos que a criança e o/a adolescente possuíam antes do acolhimento, como por exemplo a escola que frequentava. O Plano Nacional de Convivência Família e Comunitária de 2008 trouxe como princípios a centralidade da família nas políticas públicas e a primazia do Estado no fomento de políticas integradas de apoio à família. Houve também a ampliação do conceito de família, focando no fortalecimento da autonomia da criança e do adolescente na elaboração de seu projeto de vida, bem como na garantia da excepcionalidade e provisoriedade do acolhimento, existindo a preferência pelo acolhimento familiar ao acolhimento institucional.
Raul mencionou ainda que o reordenamento dos serviços de acolhimento familiar não significa uma simples redução no número de crianças e adolescentes previstos em um serviço, mas a importância de trazer o acolhimento para uma nova ordem - a de que a criança e o adolescente são sujeitos de direitos. Eles não estão privados de liberdade como nos antigos orfanatos e possuem direitos sexuais e reprodutivos, moram em uma casa e devem estabelecer relações com os amigos da escola e comunidade. O abrigo deve fomentar esse processo e não se posicionar como um espaço de correção moral. O palestrante ainda mencionou a Lei de Adoção de 2009, considerando novamente a ampliação do conceito de família e primazia da manutenção ou reintegração da criança ou adolescente a sua família em relação a qualquer outra providência. No final de sua fala, Raul mencionou que na maioria das vezes o abrigo procura a rede para garantir serviços, mas na prática muitas políticas públicas são inexistentes, insuficientes ou inadequadas, ou seja, na prática a rede acaba não funcionando como deveria. Como pensar ações para responsabilizar o Estado? Qual o papel do CT, do CREAS/CRAS na articulação da rede e também do MP e do sistema de justiça neste processo de articulação? Essas foram algumas de suas indagações finais.
Na segunda parte das apresentações, o juiz Eduardo Rezende de Melo iniciou dizendo que gostaria de falar a partir de dois lugares: 1) como juiz, responsável pelo processo de mudanças que ocorreram no município de São Caetano (quando chegou em 2004 havia três serviços de acolhimento com 70 crianças e atualmente há apenas um serviço com 7 crianças); 2) como membro da coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal, responsável pelo modelo de audiências concentradas que já estava pensando e praticando. Eduardo ainda deixou claro que o conhecimento só serve se for colocado em prática como ferramenta de intervenção.
Em relação aos casos de acolhimento, Eduardo trouxe alguns dados do IPEA que mostram que 66,4% dos episódios estão relacionados à somatória de pobreza, abandono, vivência de rua, detenção dos pais e orfandade. Muitos fatores estão relacionados a um esgarçamento dos vínculos familiares, ao isolamento social e à falta de estrutura protetiva. O palestrante ainda mencionou o livro da Claudia Fonseca intitulado “Os caminhos da adoção” que mostra como, historicamente, as famílias usavam os serviços de acolhimento para colocarem as crianças e adolescentes em momentos de crise e, depois, os pegavam de volta, evidenciando a maneira como as famílias se apropriavam desses serviços. Sobre o perfil dos acolhidos, os levantamentos apontam que a maioria possui vínculos familiares, sendo que muitos ainda são acolhidos fora dos municípios, sendo que nas grandes cidades há um espalhamento das crianças e adolescentes em regiões distantes do território de origem. Um dado importante é que mais de 50% dos acolhidos permanecem institucionalizados por mais de dois anos e 40% já passaram por acolhimentos anteriores, o que mostra uma falência dos tipos de intervenção existentes.
Segundo Eduardo, ainda que o ECA tenha trazido diversas medidas de proteção, tais medidas só passaram a existir a partir do momento em que houve a estruturação de serviços. Ainda que Política Nacional de Assistência Social (PNAS) seja de 2004, a tipificação dos serviços socioassistenciais, ou seja, a descrição de como os serviços têm que ser estruturados aconteceu apenas em 2009. Para o palestrante, é possível afirmar que as condições para se proteger as crianças e adolescentes só foram colocadas em prática há 8 anos, havendo uma trajetória de muita fala, mas pouca garantia de direitos e universalização.
Para o juiz, a política tem que trabalhar na direção contrária ao isolamento social, devendo se pautar na ampliação de rede de pessoas que atendam às demandas e necessidade das famílias. Neste sentido, a política se configura em uma perspectiva sócio- territorial, os serviços devem estar próximos à população. O PNAS também reconhece que o Estado tem um papel fundamental para articular e coordenar a universalização das políticas em torno de um determinado território, porém, na prática os serviços ainda não se organizaram desta maneira.
Eduardo ainda mencionou que o PNAS postula que os serviços devam estar estruturados de uma forma articulada, em rede. Para que isto seja possível, há algumas estratégias de atuação. A primeira é o estabelecimento de um fluxo que mostram quais os caminhos devem ser percorridos e quais atores devem ser envolvidos para se chegar à garantia de direitos. Uma referência importante é o material que o juiz produziu quando estava à frente da ABMP, que hoje é o Instituto Brasileiro de Direito da Criança e do Adolescente (ver abaixo o link do Caderno de Fluxos Operacionais Sistêmicos).
www.abmp.org.br/UserFiles/File/caderno_fluxos_operacionais.pdf
O palestrante mencionou que apesar da importância dos fluxos, a vida não é linear, sendo mais complexa que um fluxo, havendo a necessidade de articulação dos serviços e um sistema de gestão entre os serviços para o compartilhamento de informações. Eduardo mencionou então um instrumento que segundo ele ainda é pouco utilizado - o Plano Individual Familiar de Atendimento. Em 2012 houve uma parceria do Tribunal de Justiça com a Secretaria de Desenvolvimento do Estado para que houvesse um modelo que trouxesse orientações técnicas para o Plano de Atendimento Familiar (ver link abaixo da publicação que Eduardo mostrou no encontro).
http://www.desenvolvimentosocial.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/407.pdf
Para o juiz, é fundamental que antes do acolhimento seja elaborado um plano de atendimento familiar pelo CRAS e CREAS para o estabelecimento de estratégias preventivas. Segundo ele, os serviços de acolhimento devem solicitar no momento do acolhimento este plano e comunicar ao juiz se não recebeu o documento. Desta maneira, será possível mobilizar o judiciário para pressionar os órgãos da assistência social. Segundo Eduardo, é fundamental que haja o trabalho preventivo já que é muito mais difícil tirar uma criança de um serviço de acolhimento do que institucionalizá-la.
Uma outra estratégia que Eduardo mencionou foi a figura do gerente de caso que é muito utilizado nos Estados Unidos e que ele tem utilizado na prática em São Caetano. As famílias ficam extremamente sobrecarregas, são cobradas pelos diferentes serviços e acabam ficando com uma agenda muito complicada – o gerente de caso acaba tendo o papel de coordenar os diversos atendimentos e ajudar a família na organização da agenda. Na prática, o gerente de caso é aquele que vai ajudar a ter uma visão comum em prol da criança e evitar repetições de abordagem nos diferentes serviços. Ex. às vezes as famílias têm que passar por orientação familiar em três lugares. Eduardo questiona o sentido desses diversos atendimento, sendo que poderiam pensar em um atendimento básico comum e depois fazer uma complementação conjunta. Para o juiz, isto é gerenciamento de caso e maximização de Recursos Humanos.
Na continuação de sua fala, Eduardo mencionou a importância de determinadas questões relacionadas ao território. Segundo o palestrante, no livro “Caminhos da Adoção”, Claudia Fonseca escreveu sobre a circulação das crianças pelas famílias e serviços e mostrou como a distância dos serviços acabava impactando nos possíveis “caminhos” da adoção. Muitas vezes as crianças podem ir indevidamente para adoção por se considerar que a família não “aderiu” aos requisitos impostos. Eduardo questionou até que ponto as famílias muitas vezes não “aderem” porque as condições de atendimento são “precaríssimas”. Neste sentido, como preservar o vínculo da família com a criança e como se obter suporte? Como exemplo, o palestrante mencionou que ainda há Estados com poucos serviços de acolhimento, sendo que algumas pessoas precisam viajar centenas de quilômetros para visitar o filho/a, muitas vezes sem suporte financeiro para o transporte. O território coloca desafios para a família, mas também para os diferentes profissionais nos seus respectivos equipamentos, incluindo os serviços de acolhimento.
Para Eduardo, é fundamental que se busque organizar o atendimento de pessoas que residam no território para que seja possível realizar um trabalho em rede, possibilitando a realização de visitas domiciliares, além das próprias visitas das famílias aos filhos. O juiz menciona o quanto as famílias em maior situação de vulnerabilidade social acabam passando pelo que o geógrafo Milton Santos chamou de “desterritorialização de baixo”, ou seja, uma territorialidade insegura, sem acesso aos serviços, resultando em um processo de exclusão. É importante que o território (espaço concreto – chão) possa ser revalorizado e ocupado.
Ao ampliar o olhar sobre as redes, Eduardo ainda mencionou uma autora italiana chamada San Nicolá que escreveu um livro intitulado “O Trabalho Social e Redes”. Para a autora, há redes primárias formadas pelas pessoas com quem podemos contar (família extensa) e redes secundárias, que são formadas pelos serviços formais, ONGs, econômicas (trabalho), etc. Em relação às redes primárias, Eduardo aponta que as relações sociais formam-se por vínculos de reciprocidade, constituindo sistema de valores, objetivos e recursos. O risco é um fator permanente da vida social, sendo previsível e por isso mesmo, havendo a necessidade de se estabelecer um trabalho de acolchoamento que um indivíduo possa apoiar o outro. Para o palestrante, os sujeitos da rede representam um capital humano e são as redes sociais informais que movimentam os indivíduos para relações coletivas, sendo muito importante coletivizar a responsabilidade sobre a criança e o/a adolescente – não é apenas uma tia, mas quem pode estar junto costurando a rede de suporte para que a criança não acabe sendo acolhida.
Na segunda parte da oficina foram realizados debates em subgrupos a partir de um caso distribuído aos participantes. O caso encontra-se descrito abaixo e as discussões foram feitas em relação aos seguintes aspectos: 1) direitos por garantir, ameaças de violação de direito ou direitos violados no caso apresentado; 2) construção de um plano de atendimento tendo como foco a garantia dos direitos; 3) atores que deveriam ser responsáveis pela implementação e monitoramento do plano de atendimento; 4) dispositivos de registro e comunicação que poderiam ser utilizados neste atendimento e 5) barreiras culturais, morais e éticas que podem ser identificadas neste caso.
CASO ROSE
Rose, tem 9 anos, mora com a mãe, Kátia de 29 anos, um irmão, Ronaldo de 9 anos, outro irmão Caíque de 1 ano e 8 meses, a avó de 52 anos e o tio de 27 anos. A casa tem um quarto, sala cozinha e banheiro. No quarto dormem a avó e o tio. Na sala dormem Rose, a mãe e os dois irmãos. Desde que Kátia se separou e passou a morar com a mãe, ela e as crianças dormem na sala. A avó de Rose fica muito desconfortável com essa situação, sempre pergunta quando eles vão desocupar a sala e já disse que por ela Ronaldo e Caíque poderiam ficar.
Rose tem um diagnóstico de retardo mental leve, tem hábito de pegar objetos como lápis, canetas, blusas dos amigos da escola e levar para casa. Rose quando questionada sobre a origem dos objetos diz que foram os amigos que a presentearam. Dá última vez que isso aconteceu ela pegou dinheiro da mochila da amiga e gastou todo o dinheiro em balas na cantina da escola.
Rose e Ronaldo são gêmeos quando os pais se separaram eles tinham 2 anos. Rose foi morar com o pai e Ronaldo permaneceu com a mãe. Rose sofria violências físicas e psicológicas, assim como violência sexual da madrasta. Após uma denúncia anônima, Rose foi encontrada amarrada nua e amordaçada em sua casa. A polícia prendeu o pai e a madrasta em flagrante.
Há mais ou menos um ano com a prisão do pai e da madrasta, Rose passou a morar com a mãe. Fica nítida a predileção de todos na casa por Ronaldo que é muito bom aluno, passa o dia em frente a TV e não dá trabalho para ninguém. A avó sempre diz que não aguenta a menina, que ela quebra tudo, mexe onde não deve e que puxou a família do pai.
Rose sempre se envolve em brigas com Ronaldo. Por conta da violência que sofreu ela está referenciada em um grupo de crianças do CAPS e no CRAS, também frequenta a Rede Criança. Tem muitas faltas, pois a mãe não consegue levar Rose aos serviços já que trabalha como caixa de supermercado e não pode faltar muito no serviço.
O promotor que já conhece o caso diz que quando a educação não vem do “berço” o sujeito não progride, a família é a base de tudo. O governo também não colabora pois incentiva a promiscuidade distribuindo uma bolsa família para cada filho que a mulher dá a luz. Como consequência, segundo ele, as mulheres saem “abrindo as pernas pra todo mundo”. Elas sabem que o governo vai dar tudo mesmo, bolsa escola, bolsa família, uniforme, comida, moradia. Para ele a única solução é esterilizar essas mulheres promíscuas. Ele diz que Kátia é um bom exemplo dessa situação, família desestruturada, já está no terceiro filho e nem sabe quem é o pai do último.
O segurança do CAPS que mora no mesmo bairro diz que o tio de Rose está envolvido com o tráfico e a mãe se prostituía para ganhar a vida. Ela anda com roupas curtas e tem vários parceiros na comunidade.
Rose, não consegue acompanhar as aulas fica no fundo da classe quase não tem a atenção da professora. Todos acham que é por conta do trauma que sofreu. Sofre bullying do colegas e a escola diz que não tem nada a fazer pois ela já está no CAPS. Pena que a mãe abandonou a menina e não a leva para o tratamento.
A madrasta continua presa, mas o pai foi solto recentemente pois não teve envolvimento nas violências cometidas contra Rose. De vez em quando manda dinheiro através do tio. Gosta muito da menina e a menina sente muita falta do pai contudo o pai não pode se aproximar da menina pois ele é um dos agressores.
A mãe foi demitida no mês passado por ter muitas faltas no trabalho. Está tendo dificuldades de dar entrada no seguro desemprego pois está sem RG e certidão de nascimento, não consegue tirar uma certidão nova pois sua certidão é de um município pequeno de alagoas e o cartório cobra R$700,00 para tirar uma certidão nova e ela não tem esse dinheiro.
Sexta-feira o conselho foi acionado pela escola, pois Rose estava com um hematoma na testa. Quando perguntada sobre a origem do hematoma Rose disse ter derrubado o irmão de 1 ano e a mãe havia jogado o rádio em sua testa. O Conselho Tutelar conhecendo o caso, diante do histórico de violência e da negligência da mãe em não comparecer nos serviços, acolhe a menina imediatamente. Rose chega aos berros no abrigo dizendo que a mãe é boazinha e que ela quer ir para casa. Resiste entrar no abrigo, segura no portão, chora e grita. O abrigo demora mais de 2 horas para acalmá-la e convencê-la a entrar.
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